domingo, 5 de setembro de 2010

Duvidas e respostas sobre a administração de fármacos durante a gravidez

A maioria das mulheres grávidas consome algum tipo de fármaco. Diversos organismos sanitários, bem como a Organização Mundial de Saúde, calculam que mais de 90 % das mulheres grávidas tomam fármacos, quer sejam receitados pelo médico ou não (de venda livre), e consomem drogas sociais, como o tabaco e o álcool, ou drogas ilícitas. Os fármacos e drogas provocam 2 % a 3 % de todas as anomalias congénitas; a maioria das restantes devem-se a causas hereditárias, ambientais ou desconhecidas.
Os fármacos e drogas passam da mãe para o feto, sobretudo através da placenta, o mesmo trajecto que os nutrientes seguem para o crescimento e desenvolvimento fetal. Na placenta, os fármacos e os nutrientes atravessam uma membrana fina que separa o sangue materno do fetal.


Os fármacos que se administram durante a gravidez podem afectar o feto de várias formas:

Actuando directamente sobre o feto e provocando lesões, desenvolvimento anormal ou morte.
Alterando a função da placenta, geralmente estreitando os vasos sanguíneos e reduzindo o intercâmbio de oxigénio e de nutrientes entre o feto e a mãe.
Provocando a contracção dos músculos do útero, o que pode lesar indirectamente o feto devido ao facto de se reduzir a quantidade de sangue que recebe.
Os efeitos adversos de um fármaco dependem da idade do feto e da potência e da dose do fármaco. Certos fármacos tomados no início da gravidez (antes do 17.° dia após a fecundação) podem actuar em função da lei do tudo ou nada, ou seja, podem matar o embrião ou não o afectar em absoluto. Durante esta fase, o feto é muito resistente ao desenvolvimento de anomalias congénitas. No entanto, o feto é particularmente vulnerável entre os 17.º e 57.º dias após a fecundação, que é quando os seus órgãos se estão a desenvolver.

Os fármacos que alcançam o feto durante esta fase podem provocar um aborto, uma anomalia evidente no momento do nascimento ou uma deficiência permanente mas imperceptível que se torna evidente com o passar dos anos, embora também seja possível que não provoquem nenhum efeito notável. Os fármacos administrados depois de o desenvolvimento dos órgãos se ter completado, provavelmente não provocarão anomalias congénitas evidentes, mas poderão sim alterar o crescimento e a função dos órgãos e dos tecidos.

Fármacos anticancerosos

Como os tecidos do feto crescem com rapidez, as suas células, que se multiplicam a grande velocidade, são muito vulneráveis a estes fármacos. Muitos são teratogénicos, ou seja, provocam deficiências congénitas, como um crescimento lento do útero (atraso do crescimento intra-uterino), um desenvolvimento incompleto da mandíbula, o céu da boca aberto, desenvolvimento anormal dos ossos do crânio, deficiências da coluna e do ouvido, pés tortos e atraso mental. Alguns fármacos anticancerosos provocam anomalias congénitas em animais, mas ainda não foi provado que as provoquem no homem.


Como o fármacos atravessam a placenta

Na placenta, o sangue materno passa pelo espaço (espaço intervilosidades) que rodeia as pequenas projecções (vilosidades) que os vasos sanguíneos do feto contêm. O sangue materno, que se encontra no espaço intervilosidades, está separado do sangue fetal que se encontra nas vilosidades por uma fina membrana (membrana placentária). Os fármacos que se encontram no sangue materno podem atravessar esta membrana até chegar aos vasos sanguíneos das vilosidades e atravessar o cordão umbilical até chegar ao feto.





Talidomida

Este fármaco deixou de ser receitado às mulheres grávidas porque provoca importantes defeitos de nascença. Foi introduzido na Europa em 1956, como tratamento para a gripe ou como sedativo. Em 1962, descobriu-se que, se as gestantes tomassem talidomida quando os órgãos do feto estavam em desenvolvimento, produziam-se anomalias congénitas, como um desenvolvimento incompleto dos braços e das pernas, bem como malformações do intestino, do coração e dos vasos sanguíneos.

Tratamentos para a pele

A isotretinoína, utilizada para tratar o acne grave, a psoríase e outros problemas cutâneos, provoca grandes anomalias congénitas. Entre as mais significativas destacam-se as deficiências cardíacas, orelhas pequenas e hidrocefalia (também chamada «acumulação de água no cérebro»). O risco de anomalias congénitas é de cerca de 25 %. O etretinato, outro fármaco que se utiliza para tratar problemas cutâneos, também produz anomalias congénitas. Como este fármaco se armazena na gordura que há sob a pele e se liberta lentamente, pode continuar a provocar anomalias congénitas durante 6 meses ou mais depois de a mulher deixar de o tomar. Por isso, às mulheres que consomem este fármaco é recomendado esperar pelo menos um ano antes de engravidar.

Hormonas sexuais

As hormonas androgénicas (masculinizantes), tratamento habitual para vários problemas sanguíneos, bem como os progestagénios sintéticos, tomados durante as primeiras 12 semanas depois da fecundação, provocam masculinização dos órgãos genitais de fetos femininos. O clítoris, uma pequena protuberância semelhante ao pénis no homem, pode aumentar de tamanho (de forma permanente, a menos que seja corrigido com uma intervenção cirúrgica) e os pequenos lábios, que rodeiam os orifícios da vagina e da uretra, podem chegar a colar-se entre si. Os contraceptivos orais não contêm quantidade de progesterona suficiente para produzir estes efeitos.

O dietilestilbestrol (DES), um estrogénio sintético, provoca cancro vaginal nas adolescentes cujas mães tomaram este fármaco durante a gravidez. Com o passar do tempo, estas raparigas podem ter uma cavidade uterina anormal, sofrer de problemas menstruais, debilidade do colo uterino (incompetente), que pode ser causa de abortos, e aumento da incidência de gravidezes ectópicas ou de partos em que o feto morre pouco antes de nascer ou imediatamente depois. Os meninos expostos ao dietilestilbestrol podem ter anomalias no pénis.

Meclozina

A meclozina, que se costuma tomar para os enjoos durante as viagens e para as náuseas e vómitos, provoca anomalias congénitas nos animais, mas não foram detectados os mesmos efeitos nos seres humanos.

Anticonvulsivantes

Se uma mulher que sofre de epilepsia os tomar durante a gravidez, alguns fármacos anticonvulsivantes podem desencadear um palato aberto (fendido), anomalias cardíacas, bem como malformações da cara e do crânio, das mãos ou dos órgãos abdominais no recém-nascido. Podem provocar também atraso mental. Existem dois anticonvulsivantes particularmente perigosos no que se refere às anomalias congénitas : a trimetadiona, cujo risco é de cerca de 70 %, e o ácido valpróico, com cerca de 1 %. Crê-se que a carbamazepina, outro anticonvulsivante, provoca um significativo número de anomalias congénitas menores. Foi atribuído ao anticonvulsivante fenitoína o desenvolvimento de diversas anomalias, mas registaram-se defeitos semelhantes nos filhos de mulheres epilépticas que não tomavam anticonvulsivantes.

Os recém-nascidos que antes do nascimento foram expostos à fenitoína e ao fenobarbital (um barbitúrico também anticonvulsivante) podem ter hemorragias facilmente, porque estes fármacos provocam uma deficiência de vitamina K, necessária à coagulação. Este efeito secundário pode ser evitado se a gestante tomar suplementos desta vitamina por via oral todos os dias durante um mês antes do nascimento ou se o recém-nascido levar uma injecção de vitamina K imediatamente depois de nascer. Durante a gravidez, as mulheres que têm epilepsia recebem a menor dose possível de anticonvulsivantes e são rigorosamente vigiadas.

As mulheres com epilepsia, embora não tomem anticonvulsivantes durante a gravidez, têm mais probabilidades de ter recém-nascidos com anomalias congénitas do que as mulheres que não têm epilepsia. O risco é ainda maior para as que têm convulsões frequentes e graves ou que tenham complicações da gravidez e nas que pertencem a grupos de um nível socioeconómico baixo, pois normalmente têm uma assistência médica inadequada.

Vacinas

Excepto em circunstância especiais, às mulheres grávidas ou que poderão está-lo não se aplicam vacinas que contenham vírus vivos. A vacina contra a rubéola, feita com vírus vivos, pode causar infecção tanto na placenta como no feto em desenvolvimento. As vacinas com vírus vivos (como as do sarampo, a parotidite, a poliomielite, a varicela e a febre amarela) e outras vacinas (como as da cólera, da hepatite A e B, da gripe, da peste, da raiva, do tétano, da difteria e da febre tifóide) são administradas às mulheres grávidas apenas no caso de existir um risco importante de serem infectadas com um desses microrganismos.

Fármacos tiróideos

O iodo radioactivo que se administra a uma mulher grávida para tratar uma tiróide hiperactiva (hipertiroidismo) pode atravessar a placenta e destruir a tiróide do feto, ou provocar uma diminuição grave da actividade da referida glândula (hipotiroidismo). O propiltiouracilo e o metimazol, fármacos que também se usam para tratar uma tiróide hiperactiva, atravessam a placenta e podem aumentar o tamanho da tiróide do feto. Quando é necessário, o propiltiouracilo é o mais usado porque é mais facilmente tolerado pela mãe e pelo feto.

Hipoglicemiantes orais

Os fármacos hipoglicemiantes são empregados para reduzir os níveis de açúcar (glicose) no sangue nas pessoas que sofrem de diabetes, mas não costumam controlar a diabetes nas mulheres grávidas e podem provocar baixas muito acentuadas de glicose no sangue (hipoglicemia) dos recém-nascidos. Por isso, é preferível administrar insulina para tratar a diabetes das gestantes.


Analgésicos opiáceos e anti-inflamatórios não esteróides


Os analgésicos opiáceos e os anti-inflamatórios não esteróides (AINE), como a aspirina, chegam ao feto em quantidades significativas se forem ingeridos por uma mulher grávida. Os filhos de mulheres dependentes dos analgésicos narcóticos (opiáceos) podem-se tornar toxicodependentes antes do nascimento e mostrar sintomas de privação entre as 6 horas e os 8 dias depois do parto. A ingestão de grandes doses de aspirina ou de outros AINE durante a gravidez pode atrasar o início do parto e também pode provocar o encerramento no feto, antes do nascimento, do canal (ductus arteriosus) que liga a aorta e a artéria pulmonar (a artéria que leva o sangue aos pulmões). Este canal normalmente fecha-se imediatamente após o parto. O seu fecho prematuro obriga o sangue a circular através dos pulmões, que ainda não se expandiram, e, em consequência, produz-se uma sobrecarga do sistema circulatório do feto.

Quando são administrados no fim da gravidez, os fármacos anti-inflamatórios não esteróides reduzem a quantidade de líquido amniótico (o líquido que rodeia o feto em desenvolvimento e que se encontra dentro do saco amniótico), o que constitui um efeito adverso potencialmente perigoso. Se forem tomadas grandes doses de aspirina, podem produzir-se hemorragias na mãe ou no recém-nascido. A aspirina, como outros salicilatos, pode aumentar os níveis de bilirrubina no sangue do feto, provocando icterícia e, por vezes, lesões cerebrais.

Ansiolíticos e antidepressivos

Os ansiolíticos provocam anomalias congénitas quando são administrados durante o primeiro trimestre da gravidez, apesar de este efeito ainda não ter sido provado. A maioria dos antidepressivos parecem ser bastante seguros se forem usados durante a gravidez, mas o lítio pode provocar anomalias congénitas (principalmente no coração). Os barbitúricos, como o fenobarbital, administrados a uma mulher grávida, têm tendência para reduzir a icterícia ligeira que se observa nos recém-nascidos.

Antibióticos

O tratamento com antibióticos durante a gravidez é uma fonte potencial de problemas. As tetraciclinas atravessam a placenta e acumulam-se nos ossos e nos dentes do feto, onde se combinam com o cálcio. Como resultado, o crescimento ósseo é retardado, os dentes do recém-nascido podem tornar-se definitivamente amarelos e o esmalte dentário pode ser mole e anormalmente susceptível às cáries. O risco de anomalias dentárias é mais elevado desde o meio até ao fim da gravidez. Como existem vários antibióticos alternativos que não implicam qualquer risco, durante a gravidez evitam-se as tetraciclinas.

A administração de antibióticos como a estreptomicina ou a kanamicina durante a gravidez pode lesar o ouvido interno do feto e até provocar surdez. O cloranfenicol não danifica o feto, mas provoca uma grave doença no recém-nascido conhecida como síndroma do bebé cinzento. A ciprofloxacina não deverá ser tomada durante a gravidez porque foi provado que nos animais provoca anomalias nas articulações. Pelo contrário, as penicilinas parecem ser inócuas.

A maioria dos antibióticos com sulfonamida, administrados no final da gravidez, podem fazer com que o recém-nascido contraia icterícia, que pode provocar uma lesão cerebral. No entanto, existe um antibiótico com sulfonamida, a sulfasalazina, que muito raramente provoca este problema.

Anticoagulantes

O feto em desenvolvimento é extremamente sensível aos dicumarínicos, fármacos que evitam a formação de coágulos (anticoagulantes). Em até 25 % dos bebés expostos a estes fármacos durante os primeiros 3 meses de gravidez são detectadas anomalias congénitas significativas. Além disso, há risco de que ocorra uma hemorragia tanto na mãe como no feto. Se uma mulher grávida for propensa a formar coágulos no sangue, a heparina é uma alternativa muito mais segura. No entanto, a sua administração prolongada durante a gravidez pode provocar uma descida do número de plaquetas na mãe (as plaquetas são partículas semelhantes a células, que são fundamentais para a coagulação do sangue) ou uma diminuição da espessura dos ossos (osteoporose).

Fármacos para o coração e para os vasos sanguíneos

A administração destes fármacos durante a gravidez é necessária para tratar certos problemas que são crónicos ou que surgem durante a gravidez, como a pré-eclampsia (hipertensão, presença de proteínas na urina e acumulação de líquidos durante a gravidez) e a eclampsia (convulsões em consequência da pré-eclampsia). Os fármacos que fazem descer a tensão arterial alta são utilizados com frequência nas mulheres grávidas com pré-eclampsia ou eclampsia, mas dado que alteram o funcionamento da placenta são administrados com grande cuidado para evitar causar problemas ao feto.Em geral, estes problemas são consequência de uma descida demasiado rápida da tensão arterial da mãe, que provoca uma redução considerável do afluxo sanguíneo à placenta.

Do mesmo modo, deve ser evitada a administração dos inibidores do enzima conversor da angiotensina e dos diuréticos tiazídicos, porque podem provocar graves problemas fetais. A digoxina, utilizada para tratar a insuficiência cardíaca e algumas anomalias da frequência cardíaca, atravessa a placenta muito facilmente, embora os seus efeitos no bebé, antes ou depois do parto, sejam muito escassos.

Alguns fármacos, como a nitrofurantoína, a vitamina K, as sulfonamidas e o cloranfenicol, podem provocar uma destruição dos glóbulos vermelhos das gestantes e dos fetos com deficiência da glicose-6-fosfatodesidrogenase (G6PD), um problema hereditário que afecta as membranas dos glóbulos vermelhos. Por conseguinte, as mulheres com este problema não devem consumir estes fármacos.

Fármacos utilizados durante o parto

Os anestésicos locais, os opiáceos e outros analgésicos normalmente atravessam a placenta e podem afectar o recém-nascido (por exemplo, debilitando a sua capacidade respiratória). Por isso, se for necessário utilizar fármacos durante o parto, são administrados em doses o mais pequenas possível e de preferência no último momento, para que tenham menos probabilidades de chegar ao feto antes do nascimento.

Drogas sociais e drogas ilícitas

Fumar durante a gravidez pode ser prejudicial. O peso médio, ao nascer, dos filhos de mães fumadoras durante a gravidez é de cerca de 170 g menos que os filhos das mulheres não fumadoras. Os abortos, a morte fetal, os partos prematuros e a síndroma da morte súbita do lactente são mais frequentes entre os bebés de mulheres que fumam durante a gravidez.

Consumir álcool durante a gravidez pode provocar anomalias congénitas. Os filhos de mulheres gestantes que tomam excessivas quantidades de álcool podem sofrer da síndroma alcoólica fetal. Estes recém-nascidos são pequenos, costumam ter uma cabeça de tamanho pequeno (microcefalia), anomalias faciais e deficiências mentais no limite. Com menos frequência, observam-se anomalias articulares e cardíacas. O desenvolvimento não é adequado e têm mais probabilidades de morrer pouco depois de nascerem. Devido ao facto de se desconhecer a quantidade de álcool necessária para provocar esta síndroma, recomenda-se que as mulheres grávidas se abstenham de beber álcool.

Os efeitos da cafeína sobre o feto são motivo de controvérsia. Vários estudos sugerem que beber mais de 7 ou 8 chávenas de café por dia pode aumentar o risco de morte fetal, parto prematuro ou de ter um recém-nascido de baixo peso ou um aborto. No entanto, estes estudos não são fiáveis porque muitas das mulheres que bebiam café também fumavam. Um estudo posterior, que fazia referência ao tabagismo, chegou à conclusão de que os problemas tinham sido provocados pelo tabaco e não pela cafeína. Portanto, não se sabe de certeza se o facto de beber muito café durante a gravidez afecta o recém-nascido.

O aspartamo, um edulcorante artificial, parece ser inócuo se for tomado durante a gravidez, desde que consumido nas quantidades habituais aconselhadas.

O consumo de cocaína durante a gravidez aumenta o risco de aborto, de desprendimento precoce da placenta (abruptio placentae), de anomalias congénitas no cérebro, nos rins e nos órgãos genitais e de diminuição do comportamento interactivo nos recém-nascidos.
Não se encontrou nenhuma prova concludente de que a marijuana provoca anomalias congénitas nem que interfere no crescimento e no desenvolvimento fetal. No entanto, alguns estudos indicam que um grande consumo de marijuana durante a gravidez pode provocar um comportamento anormal nos recém-nascidos.
fonte:In:manualmerck

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